terça-feira, 9 de setembro de 2003

Um parto à africana

Extraído da Revista Crescer

Rituais africanos assustaram o obstetra Abner Lobão Neto na sala de parto, quando ele aprendeu que a lei da gravidade pode ser muito útil para mães, médicos e bebês

"Eu ainda era um aluno de 6º ano na faculdade de medicina quando tive a minha melhor lição sobre partos. Estava em um plantão noturno e a noite prometia tranqüilidade. Mas, ao iniciar a visita no pré-parto, vi uma cena insólita: uma parturiente negra, muito alta, nua e com um turbante tribal na cabeça. Arregalei os olhos. Ela estava de pé sobre a cama, com uma barriga enorme, como um surfista sobre uma onda. Emitia sons em um dialeto estranho, misturados a gemidos de dor. Fiquei apavorado. Ela podia cair e se machucar, ou ao seu bebê. Tentei acalmá-la de todo jeito, mas ela não me entendia e eu tampouco a ela. Continuou ali surfando enquanto fui procurar ajuda. Descobri que ela era de uma tribo de um país centro-africano e estava no Brasil acompanhando seu marido, um peregrino religioso. Com outros residentes, conseguimos a muito custo fazer com que descesse da cama. Mas ela não parou.

Entregou-se a outros rituais. Era um constante caminhar e agachar ritmados, que acabaram permitindo, alguns minutos depois, que ela desse à luz um lindo bebê, em perfeitas condições de saúde. E, para minha surpresa, depois do parto descobri que ela não tinha lesão alguma na região genital. Aprendi sobre a importância de respeitar a cultura de cada um e, também, que o parto tradicional, com a mulher deitada na horizontal, as pernas dobradas e apoiadas, pode ser mais trabalhoso e penoso. A lei da gravidade pode ajudar os médicos, as mães e principalmente os bebês em seu primeiro desafio, que é nascer."

Abner Lobão Neto, ginecologista e obstetra

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